Startups em saúde e desdobramentos preliminares da COVID-19

Autores: Rafael de la Vega, Giulia Ponte e Fátima Faria.

Nota técnica divulgada em 08 de maio de 2020.

1.   Introdução

A pandemia da COVID-19 tem impactos econômicos heterogêneos sobre diferentes agentes e diferentes setores¹, induzindo reações distintas. A partir do cruzamento de conclusões de estudos de terceiros, esse texto traz análises preliminares a respeito do impacto sobre os setores de atuação das healthtechs – as startups do setor de saúde – o que é realizado na seção 2. São feitas também comparações entre as medidas imediatas tomadas por startups, em geral brasileiras e alemãs, apresentadas na seção 3.

2.   Setores de atuação das healthtechs brasileiras e impactos setoriais da Covid-19

 Setores de atuação das startups

O relatório Distrito Healthtech Report traça um panorama das healthtechs brasileiras. São mapeadas 386 startups, divididas em nove categorias e 26 subcategorias, algumas das quais serão detalhadas a seguir.

A primeira categoria é Marketplace, com plataformas que interligam profissionais e serviços na área de saúde. Ela se subdivide em: Oferta de Terceiros, em que atuam como um canal entre profissionais e clientes; Oferta Própria, em que centralizam a padronização dos serviços; e Rede de Clínicas, que consiste em um conjunto de clínicas populares disponíveis e com preços acessíveis.

A segunda categoria é o Wearables & IoT, com produtos que acompanham informações básicas dos pacientes, como atividade física, alimentação e sono e indicadores de saúde focados em doenças crônicas.

A terceira categoria é o Relacionamento com Pacientes, plataformas que contribuem para a comunicação com pacientes. É subdividida em três subcategorias: Engajamento de Pacientes, para o acompanhamento de tratamento; Terapias Digitais, para o acompanhamento de condições de saúde; e Comunicação.

A quarta categoria é a Gestão e Prontuário Eletrônico, com plataformas que disponibilizam apoio para gestão de setores de saúde, como hospitais e clínicas, e desdobrada nas subcategorias Atestados, Laudos e Prescrição; Gestão de Clínicas; Gestão Hospitalar e Prontuário Eletrônico.

A quinta categoria é Telemedicina, que possibilita o compartilhamento de informações entre médicos e pacientes à distância, através de tecnologias de comunicação.

A sexta categoria é a de Dispositivos Médicos, plataforma que tem como utilidade de atribuir diagnóstico, possibilitar acompanhamento médico à distância e realizar treinamentos, com dois subgrupos: Impressoras 3D e Equipamentos.

A sétima categoria é Farmacêutica e Diagnóstico, dividida em quatro subcategorias: E-commerce, com plataformas para comercialização de remédios comuns; Exames, com tecnologias para exames de diagnósticos; Genômica, com análise de dados para diagnóstico; e Pesquisa Farmacêutica, com foco em pesquisa para novos medicamentos.

A oitava categoria é AI & Big Data, o uso de inteligência artificial em tecnologias médicas, subdividida em duas subcategorias: AI & Robótica, com uso de inteligência artificial em diagnósticos, próteses e atendimento; e Big Data & Analytics, com análises de banco de dados relevantes para o setor.

A nona, e última, categoria, é o Acesso à Informação, disponibilizado através de tecnologias. As subcategorias são três, Fitness e Bem estar; Planos de Saúde, realizando a negociação de planos; e Portais e Conteúdo Educativo, oferecendo acesso a matérias de educação da área.

A Figura 1 apresenta como as 386 healthtechs mapeadas se dividem entre as nove categorias.

Figura 1 – Quantitativo proporcional de healthtechs por categoria.

 

Impactos setoriais da Covid-19

Naturalmente, as mudanças de hábitos de consumo conseguintes à Covid-19 impactam setores e produtos diferentes de formas distintas. Um estudo da Bain & Co. divulgado pelo jornal Estado de São Paulo³ divide os setores de acordo com o impacto esperado sobre a demanda tanto no curto prazo quanto no longo prazo.

Em primeiro lugar estão os setores cujas demandas cresceram com a crise e devem se manter em um patamar elevado, incluindo ensino à distância, entretenimento online, ferramentas para trabalho remoto, nutrição e saúde, telemedicina, plano de saúde e seguro de vida.

Em seguida, estão os setores cujas demandas cresceram no curto prazo, mas tendem a se estabilizar, incluindo alimentação, internet banda larga e telefonia, produtos de limpeza, e produtos de prevenção de contágio, como álcool em gel e máscaras.

O terceiro grupo de setores inclui os que observaram uma queda imediata da demanda na crise, mas com potencial de recuperação na sequência, como eletrodomésticos, produtos de beleza, vestuário e serviços de beleza.

Por fim, há os setores cujas demandas tiveram queda na crise e devem demorar a se recuperar, como academias de ginástica, cinema e teatro, eventos, hotéis, restaurantes e turismo.

Desdobramentos dos impactos setoriais da Covid-19 sobre as healthtechs

O cruzamento das conclusões do estudo da Bain & Co. com as categorias utilizadas no relatório da Distrito permite arriscar algumas projeções do impacto da Covid-19 sobre as startups em saúde. É importante observar que a falta de acesso aos detalhes metodológicos dos estudos nos canais levantados limita a acurácia dessa comparação. As projeções aqui presentes devem, portanto, ser entendidas como hipóteses preliminares, a serem validadas com estudos mais focados.

Os setores considerados pela Bain & Co. como tendo suas demandas mais positivamente impactadas incluem serviços de saúde e produtos associados a consumo a distância, sobretudo os serviços. Considerando o relatório da Distrito, esse grupo parece abarcar as categorias de Telemedicina; Wearables & IoT, com produtos focados em monitoramento; Relacionamento com Pacientes; Farmacêutica e Diagnóstico, com seu foco em e-commerce e genômica; AI & Big Data; e Acesso à Informação.

A lógica por trás da definição de setores no terceiro grupo – queda imediata na demanda, mas expectativa de recuperação – parece incluir aqueles cujos produtos não são de necessidade imediata, mas cujo consumo poderá ser recuperado sem a necessidade de aglomerações ou deslocamentos significativos. A Bain & Co. não discute especificamente o caso de clínicas, mas é possível supor que serviços de saúde não emergenciais se enquadrem melhor nesse grupo do que junto aos setores que veem um pico de demanda com a crise. A partir dessa premissa, é possível formular a hipótese de que as healthtechs de Gestão e Prontuário Eletrônico e Dispositivos Médicos terão impactos distintos dependendo de terem foco em segmentos de mercado de serviços emergenciais ou não.

A categoria para a qual é mais difícil traçar hipóteses preliminares de forma agregada é a de Marketplace, uma vez que abarca produtos de naturezas diferentes. Seria necessário, aqui, avaliar caso a caso quais os serviços estão sendo agregados nas plataformas para permitir projetar os impactos.

3.   Expectativas e gestão de crise em startups brasileiras e alemãs de diversos setores

Impactos nas startups brasileiras em geral, e nas healthtechs

O relatório Impactos e Desafios da Covid-19 nas startups brasileiras⁴ elaborado pela consultoria Liga Insights em abril de 2020 traça um panorama inicial da situação e das decisões imediatas das startups brasileiras no cenário de pandemia. O método utilizado foi um formulário eletrônico direcionado para profissionais de startups de diversas áreas. Em vista disso, os resultados apresentados são posições e estimativas por parte desses profissionais.

Em termos de impacto na receita mensal, os entrevistados se mostram despreocupados, uma vez que mais da metade não acredita que suas receitas serão reduzidas. Além disso, 57% dos entrevistados acreditam que o número de clientes tende a se manter ou até mesmo aumentar, e 75% creem que o número de funcionários não sofrerá impactos negativos. Essa lógica se fecha por acharem que vão retomar seus negócios rapidamente, dado que 42% afirmam precisar de até três meses para se recuperar. Embora os profissionais apresentem segurança, vale ressaltar que 33% das startups possui disponibilidade de caixa apenas para três meses.

No caso específico das healthtechs, as posições convergem no geral. Com relação ao impacto na receita, mais de 60% acreditam que será neutro ou positivo, assim como em relação ao número de clientes e de colaboradores. Isso é justificado visto que 59% dos entrevistados afirmam precisar de até três meses de retomada.

Em suma, parece existir uma mesma lógica de pensamento, de que a mudança é inevitável, porém quando o cenário se normalizar, poderão se recuperar rapidamente. Ainda que seja um cenário de incertezas, podemos concluir que diretores e fundadores apresentam uma posição positiva quanto à situação.

Desafios e Respostas das Startups Alemãs

No artigo Startups in Times of Crisis – A Rapid Response to the Covid-19 Pandemic, elaborado por pesquisadores da Universidade de Hohenheim, Alemanha, os autores entrevistaram fundadores de startups, investidores e outros indivíduos relacionados ao ecossistema de inovação (como membros de associações e aceleradoras) com o objetivo de observar a situação atual dessas empresas em relação à crise de Covid-19. A partir das respostas, foi possível reunir os principais desafios e as atitudes que estes atores estão adotando para lidar com eles.

Quanto aos desafios, observa-se que se trata de um momento de bastante ansiedade e há uma sensação forte de incerteza, onde os entrevistados mencionam mudanças e nova informações surgindo a cada dia. Também há muita preocupação com investimentos e o futuro das startups. Alguns temem ter que fechar suas firmas por falta de investimento ou faturamento, com o risco de rodadas de financiamento serem canceladas.

A adaptação do modelo de negócios parece ser o método de resposta à crise mais utilizado pelos empreendedores. Um funcionário de uma aceleradora destacou que tem visto um número grande de startups redirecionando suas tecnologias para tópicos relacionados à Covid-19. Outras respostas incluem: medidas internas para manutenção da saúde financeira, como redução de custos; menor carga horária de trabalho (reduzindo proporcionalmente salários); corte de verba de certos setores em detrimento de outros; busca de apoio e troca de conhecimentos com a comunidade de startup.

Em conclusão, o artigo pontua que as startups costumam ser empresas mais criativas e flexíveis, com a possibilidade de se reinventarem e se adequarem às oportunidades que advém da crise, especialmente no setor de ciências da vida e saúde. Entretanto, as consequências da crise no longo prazo ainda são difíceis de prever. Se não forem auxiliadas, imagina-se que haverá um efeito na inovabilidade futura dos países. Assim, o artigo defende que sejam criadas políticas públicas focadas especificamente nessas companhias, de forma a manter sua sobrevivência durante e após o período.

Comparação dos impactos sobre startups brasileiras e alemãs

Quando analisamos os resultados observados no artigo Startups in Times of Crisis – A Rapid Response to the Covid-19 Pandemic e o relatório da consultoria Liga Insights, encontramos algumas semelhanças e diferenças quanto ao posicionamento desses profissionais em relação ao que está por vir. De acordo com o artigo, a pandemia do Covid-19 está provocando apreensão nos alemães, principalmente por conta da sensação de incerteza constante. Em contrapartida, os brasileiros se mostram bem confiantes quanto à capacidade de suas empresas de conseguirem sair da crise. Numa escala de 0 a 10, os profissionais avaliam estar 8,4 confiantes. É importante observar, no entanto, que as percepções foram capturadas por métodos distintos (entrevistas vs. avaliação quantitativa em questionário), o que pode induzir diferenças.

Ao avaliar as estratégias utilizadas pelos dois países, tanto as empresas brasileiras quanto as alemães mencionaram reduzir os custos (60% das startups do Brasil adotaram essa medida), reduzir carga de trabalho (25% por parte dos brasileiros) e buscar por empréstimos (16% de startups mencionadas no relatório brasileiro) como possíveis medidas de combate à crise. Outra similaridade é a menção à adaptabilidade das empresas e mudança no modelo de negócios, vista como a medida principal adotada pelas startups alemãs e mencionada no relatório brasileiro.

Referências

¹DWECK, E. et al., Impactos macroeconômicos e setoriais da Covid-19 no Brasil, IE/UFRJ, 2020. Disponível em: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/home/noticias/GIC_IE%20Avaliacao%20Impactos%20C19%20v04-05-2020%20final.pdf, Acesso em: 05 de maio de 2020.

²DISTRITO, Distrito Healthtech Report, 2019. Disponível em: https://rdstation-static.s3.amazonaws.com/cms%2Ffiles%2F65883%2F1568241198HealthTech_Mining_Report_2sem2019_final.pdf

³SCARAMUZZO, M.; SCHELLER, F. Setores econômicos terão recuperação desigual após crise do coronavírus, O Estado de São Paulo, 4 abr. 2020

⁴LIGA VENTURES, Impactos e Desafios da Covid-19 nas startups brasileiras, 2020. Disponível em: <https://docsend.com/view/df4tenk>.

 

Coordenação do LEGOS|UERJ

Profa Thaís Spiegel, DSc. | thais@eng.uerj.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8880192361495671

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