As restrições para limitar a propagação do vírus são essenciais, mas precisam ser projetadas com cautela!

Uma discussão sobre cadeia de suprimentos no contexto do COVID-19

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Nota divulgada em 23/03/2020

A nova pandemia COVID-19 tem gerado bloqueios de produção e do funcionamento dos serviços em toda parte do mundo, em especial nas regiões mais afetadas. Sua disseminação exponencial gera desafios para as organizações de saúde e para os governos quanto às políticas de contenção da doença e disponibilidade de leitos e recursos materiais para responder ao volume dos casos pacientes contaminados. No Brasil, o aumento repentino de demanda em um período curto se soma a um cenário prévio de superlotação nas organizações de saúde e uma demanda já reprimida por leitos de unidade de terapia intensiva.

O que se sabe é que quanto maior o tempo necessário para se conter a difusão do vírus, maiores os impactos humanos e as consequências na desaceleração econômica, seja em função da difusão das redes de contágio, seja em função dos encadeamentos de consumo e produção[1]. As medidas temporárias de prevenção ao contágio e de enfrentamento da emergência em saúde pública do Estado do Rio de Janeiro passam por interrupção do funcionamento de espaços de aglomeração públicos e privados (escolas, cinemas, shopping), regramento específico para funcionamento dos sistemas de transporte intermunicipal ferroviário e aquaviário e profissionais desempenhando suas atividades em home office.

Essas restrições, também vistas na China e Itália, países com maior volume de pessoas contaminadas pelo COVID-19, são necessárias para limitar a propagação do vírus, mas precisam ser projetadas com cautela e revisadas continuamente. O sistema de saúde é um sistema complexo-adaptativo, cujos resultados emergentes são muitas vezes difíceis de prever, considerando as diversas partes interagindo no sistema e as possibilidades de mudança, evolução ou adaptação do comportamento dos elementos envolvidos. 

Mas o que é um sistema complexo-adaptativo?

Passar da linearidade a complexidade significa reconhecer que, entre outros fatores, esta é derivada do número de agentes independentes, múltiplos e heterogêneos presentes nas operações tomando decisões sobre diferentes partes do objeto.

Esses sistemas são constituídos por um grande número de agentes que interagem entre si de formas não lineares. Não linearidade significa que não existe uma correlação direta entre o tamanho da causa e o tamanho do efeito correspondente; o que implica em dificuldade para fazer previsões confiáveis.

(GIANNOCCARO, 2013)[2]

A pandemia é um evento de ruptura a nível global que gera efeitos distintos a depender do grau de sensibilidade e vulnerabilidade macroeconômica dos países e microeconômica das cadeias globais de produção e consumo. Esses eventos não planejados interrompem o fluxo normal de abastecimento dos insumos e a assistência em saúde é a ponta dessa rede de relacionamentos, de forma que as flutuações e instabilidades nos elos da cadeia podem gerar desabastecimento nas unidades de saúde.

As práticas tradicionais de gestão da cadeia de suprimentos não são suficientes para responder a esses eventos de rupturas. O que se observa são tensões entre os atores do sistema, medidas emergenciais pouco sincronizadas, dificuldade de dimensionamento dos recursos necessários e assimetria de informações entre os canais de divulgação. As consequências são graves. Se avaliarmos, por exemplo:

A necessidade de previsão de novos casos a partir das séries históricas, nos deparamos com:

-limitações na identificação de casos suspeitos;
-baixa capacidade de testagem, e portanto de acurácia dos casos confirmados;
-dificuldade de registro da evolução dos casos confirmados para estado grave;
-informações dispersas entre os atores da cadeia;
-redes assistenciais fragmentadas e tempos diversos de publicidade das informações.

A etapa de aquisição / disponibilização de recursos, vemos:

-níveis de decisões desconexas, a partir de previsões que não contemplam todos os casos;
-inexistência de padronização das ações / sincronia nas definições de processos e decisões;
-baixa coordenação com as políticas de isolamento / fechamento de fronteiras;
-dificuldade de dimensionar os recursos e tempos de ressuprimento necessários.

A fase de planejamento da nova cadeia de suprimento para resposta ao evento de ruptura, observamos:

-baixo envolvimento entre os atores da cadeia vistos como “externos” ao setor de saúde;
-compartilhamento de dados falho ou inexistente entre os elos da cadeia.

O uso dos recursos pelas unidades de saúde, constatamos:

-dificuldade de reporte do consumo médio e do novo consumo;
-baixa capacidade de gestão e compartilhamento dos materiais disponíveis.

Para entender a rede de suprimentos e mitigar os impactos das ações tomadas é importante identificar as partes envolvidas e as atribuições dessas partes, que não são necessariamente iguais, e por último gerenciar o comportamento da cadeia por meio da sua possível reconfiguração. Gerenciar estes eventos com pouca probabilidade de antecipação é um desafio, especialmente para as organizações de saúde e exige maior capacidade de resposta e adaptação às novas necessidades impostas. Alguns conceitos como cadeia de suprimento lean, agile e resiliente podem ser um caminho para essa fase de respostas às novas rupturas.

 

Autoras

Ana Carolina Vasconcelos
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0065556144974235
Luana Ramos
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4379840548786456

Coordenação do LEGOS|UERJ

Profa Thaís Spiegel, DSc. | thais@eng.uerj.br
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8880192361495671


[1] Senhoras, Eloi Martins. “NOVO CORONAVÍRUS E SEUS IMPACTOS ECONÔMICOS NO MUNDO.” Boletim de Conjuntura (BOCA) 1.2 (2020): 39-42.

[2] GIANNOCCARO, I. (ORG.). Behavioral Issues in Operations Management: New Trends in Design, Management, and Methodologies. 2013o ed. Springer, 2013.

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